Por Leo Germani
Existe um grande mal entendido nos recorrentes discursos sobre descentralização atualmente. Existe também uma idéia errada da noção de liberdade atribuída aos movimentos de “cultura livre” e “software livre”. As novas tecnologias, a “libertação” do conhecimento e a descentralização dos processos não trazem praticidade, agilidade, conforto, segurança, felicidade, harmonia e bem-estar para nosso dia a dia. Ao contrário, o que fazem é apenas nos dar mais responsabilidades e, por que não dizer, trabalho.
Tomemos o exemplo do nosso lixo. Uma das coisas que nossa sociedade mais produz, acredito que a frente de armamentos e seriados de TV, é lixo. Todos nós, moradores de cidades, jogamos restos de comida, embalagens e papel higiênico diariamente em sacos plásticos que são recolhidos pelo serviço de coleta municipal. Todo esse lixo é centralizado em um grande
aterro e varrido para baixo de um imenso tapete radioativo.
De uns tempos para cá a reciclagem se tornou cada vez mais urgente. Entraram na moda os três eRRes (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), e cada vez mais pessoas vão tomando consciência da necessidade dessa atitude. Em alguns lugares a prefeitura implantou sistemas de coleta de lixo
reciclável. A reciclagem se tornou também fonte de renda para coperativas que se formaram para trabalhar com coleta e reciclagem de lixo. Olha que beleza: “A reciclagem além de proteger o meio ambiente ainda gera empregos…” Muita gente que pensa assim provavelmente não
recicla seu próprio lixo. Por quê? Porque dá trabalho.
O movimento de descentralização na coleta e tratamento do lixo - também conhecido como reciclagem - requer um pré-trabalho descentralizado que a maioria das pessoas não faz: é preciso lavar aquele pote engordurado de margarina que acabou, aquele saquinho com restos de sangue de bife, a caixa de leite, etc… É preciso se informar sobre que tipos de materiais
são realmente recicláveis ou não e, mais do que isso, é preciso evitar o consumo de materiais não recicláveis: pedir pro cara da padaria não colocar o queijo naquele isoporzinho, levar a própria sacola para o supermercado e dar preferência de compra para produtos sem muitas embalagens ou com embalagens recicláveis.
Todas essas ações não trazem a ninguém mais praticidade e conforto, mas trazem mais responsabilidades. A responsabilidade pelo lixo que você gera é seu agora, não é mais da empresa, da prefeitura ou do Bush, que leva a culpa de tudo. Claro que tudo isso tem o intuito de construir uma sociedade melhor que pode garantir para seus filhos mais conforto e praticidade, mas, pelo menos por agora, isso só lhe traz mais dor de cabeça.
*No ciberespaço*
Vamos dar um pulo dos lixões ao ciberespaço. A natureza desse espaço “virtual” é ser descentralizado. Nele, qualquer pessoa pode publicar informações e a linha que separa “emissores” e “audiência” se torna cada vez mais borrada e confusa.
Com todo mundo produzindo e publicando, a internet se torna um espaço caótico cheio de tantas coisas que pode até ficar difícil de você achar o que quer. Isso dá calafrios e tira o sono dos mais tradicionais: como achar o que eu quero? Como posso confiar nas informações que eu acho? É
tanta coisa que mais atrapalha do que ajuda… Essa internet é cheia de lixo. Lixo, de novo. E isso é verdade, se levarmos em consideração que o que é lixo para uns, é ouro para outros, já que estamos falando agora de cultura e conhecimento, e não de papel higiênico.
A solução para a classificação e busca de conteúdo na internet mais interessante que surgiu foi a taxonomia emergente, ou folksonomy, comumente conhecida das pessoas pelas “tags”. Nesse modelo de classificação descentralizada, todo mundo classifica todo e qualquer conteúdo que quiser. Um texto será conhecido (e encontrado) por ser relacionado a “manutenção de motocicletas” a medida em que muitas pessoas o classificarem dessa maneira.
De novo voltamos a responsabilidade descentralizada. O ideal desse modelo de classificação é chegarmos a ter as informações todas classificadas de uma maneira muito mais inteligente, dinâmica e intuitiva, mas, para isso, é preciso que todos se responsabilizem em classificar as coisas que vêem por aí. E isso dá trabalho.
Tomemos como exemplo o site
Del.icio.us, que agrega os sites “favoritos” de muita gente. Usando a ferramenta desse site, qualquer pessoa pode sair classificando as páginas que encontra por aí e que acha interessante. Assim, quando for fazer uma busca por “manutenção de motocicletas”, ao invés de buscar no google, que trará resultados baseados em contas matemáticas de um robô, pesquisará nos “Favoritos” de muita gente e encontrará o que pessoas viram, leram, gostaram e classificaram como tendo a ver com “manutenção de motocicletas”.
Mas isso dá trabalho, e algumas buscas nesse site acabam mostrando que quem o usa são apenas os aficcionados por tecnologia, e que iniciativas descentralizadas desse tipo estão muito longe de ter proporções significativas. O mesmo acontece com a wikipedia, com poucos contribuidores em comparação ao número de leitores. Já o YouTube, onde os usuários não têm responsabilidade nenhuma, tem grande participação.
E por onde seguir? Qual internet será que queremos? Um espaço onde a interação se resuma a fazer compras sem sair de casa e ter uma rádio personalizada com o seu nome, onde consumo serviços (geralmente gratuitos) ou um espaço realmente construído colaborativamente? Queremos dividir tarefas, construir e manter a pracinha da nossa rua ou preferimos fazer uma vaquinha e contratar uma empresa que cuide disso, e ponha grama sintética, que dá menos manutenção? Assim não preciso me dar ao trabalho de ter que me relacinoar com um monte de gente diferente de mim (colaborar), e, se bobear, ainda sai mais barato.
Se liguem, não queremos ir pelo caminho mais fácil. E nem é o caminho natural. É preciso romper. É preciso trabalhar.
(Publicado originalmente no blog Pirex
http://www.pirex.com.br)