Por Sergio Amadeu
Fernando Trevisan, entusiasta e integrante do barcamp, deu uma grande contribuição ao nosso debate ao questionar o documento-base, versão beta, que lançou esta desconferência, conforme solicitava o MinC. Gostaria apenas de tentar responder uma questão muito importante levantada pelo Trevisan. Ele perguntou em seu post: “O que a liberaçãode freqüências hoje utilizadas pelas TVs - que só deve ocorrer totalmente daqui a uns 5 anos, se não mais - tem exatamente a ver com a diversidade cultural, neste momento?”Um dos maiores ataques à diversidade cultural é a concentração de canais de comunicação em poucas mãos. A defesa da diversidade passa porgarantir aos diversos produtores culturais os meios para disseminar suas expressões artísticas. Por isso, o tema da democratização do acesso aos meios de comunicação foi, é e será um elemento vital da luta pela diversidade cultural. Hoje, no Brasil existem centenas de produtores de radiodifusão comunitária que estão impedidos de utilizar o espectro radioelétrico. Ao transmitirem seus sinais são atacados pelo Estado. São chamados de piratas. Por que o Estado ataca os produtores de ondas independentes?Porque existe a pressão das empresas de radiodifusão para manter “a ordem do espectro”. Quem definiu esta ordem? Que ordem é esta? O Estado concedeu a algumas poucas empresas o direito de usar o espectro
radioelétrico para transmitir sua programação. Ao definir o espectro como algo limitado e escasso, o Estado assumiu o seu controle. Apesar de dizer que o espectro é um bem público, o Estado entregou seu controle e operação para empresas privadas. Isso permite que elas controlem as transmissões e concentrem as verbas de publicidade. A democratização das comunicações passa pela democratização do espectro radioelétrico. Acontece que a democratização das possibilidades de transmissão é visto pela indústria do entretenimento e das radiodifusão como ameaça ao seu modelo de negócios (baseados no broadcasting). Por que? A ampliação do número de produtores de programas, o aumento dos tipos de programação, a
diversidade de opções, levaria a dispersão das verbas de publicidade. A TV já sofre concorrência da Internet. Os dirigentes desses grupos de radiodifusão querem que a digitalização não gere nas velhas mídias o efeito internet.
Mas a TV não será digital? Este problema não irá acabar? Tudo não será como na Internet? Onde a descentralização e a globalização impedem qualquer controle?
Nas primeiras batalhas sobre como deverá ser a TV Digital brasileira os defensores da diversidade cultural sairam perdendo para os advogados dos modelos concentradores e limitadores. Por enquanto, a TV Digital será apenas uma TV com alta definição, com interatividade controlada e com um pouco mais de opções do que o programa Você Decide. Tudo indica que a interatividade da TV Digital será classista, pois para fazermos uploads teremos que usar o canal de retorno das operadoras de telefonia. Ele será gratuíto? “De grátis”? Certamente não. Então, aí se colocará novamente o peso do dinheiro, o peso da concentração de renda na
sociedade que gerará concentração de possibilidades de interação.
Muitos diriam: essa tentativa dos grupos de radiodifusão de conter a diversidade de canais e de produção está fadada ao fracasso, uma vez que a TV sobre IP, a webTV engolirá a TV Digital controlada e de baixa interatividade.
Certo. Existe aí esta grande possibilidade democratizante (diversidade exige democracia e liberdade de iniciativa). Então, prá que lutar pela democratização do espectro?
Prá que lutar pela democratização do espectro?
É importante esclarecer que quem controla a infra-estrutura de telecomunicação pode controlar os fluxos de informação. Veja a China. Não é por menos que o movimento “Não é por menos que o movimento "
Save de Internet" está lutando contra as tentativas das empresas de telecom e de entretenimento poderem taxar e tratar diferenciadamente os pacotes de bits que trafegam em suas redes físicas. Todos sabemos que a Internet é baseada na troca de pacotes de dados baseados no democrático protocolo TCP/IP. Imagine se uma operadora de telefonia estiver autorizada a ler os cabeçalhos dos pacotes que levam as informações. Ela poderá bloquear a Voz sobre IP, os pacotes que levam dados usando o BitTorrent, aumentar a velocidade dos pacotes de mensagens das empresas aliadas, entre outras coisas discriminatórias. Alguém poderia dizer: mas eles não fariam isto... É mais já estão fazendo. O movimento Save The Internet defende a neutralidade na rede, ou seja, que os controladores da camada física da rede não possam interferir nas camadas lógicas. Dito de outra forma: a diversidade cultural no ciberespaço depende da palavra de ordem: "Todos os pacotes são iguais perante a rede!" Acho que o primeiro que articulou esta frase foi o Carlos Afonso, do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Então, aqueles que pensam que a garantia da liberdade na Internet dispensa a luta pela democratização da infra-estrutura, o que incluí o espectro radioelétrico, está cometendo um erro de avaliação.
Por isso, a luta pela diversidade digital também passa pela transformação do espectro eletromagnético em uma via comum, pública, em commons.