3 de jun. de 2007

Diversidade e Subjetividade

Por Fernanda Bruno

Pensada no âmbito da subjetividade, a questão da diversidade na cultura digital envolve pelo menos dois processos. De um lado, a diversidade se produz e prolifera pela multiplicação das “vozes” e vias individuais. Já se tornou um lugar comum afirmar que a cultura digital fez de cada um de nós emissores, produtores e distribuidores potenciais de informação de diferentes tipos e formatos. Cada vez mais, a Internet se afirma como um ambiente em que cada um é convidado a ser a sua própria mídia. Pululam narrativas da vida privada, imagens pessoais da intimidade, do cotidiano e do mundo, produções visuais, musicais, literárias, artísticas, amadoras ou profissionais. Um cenário de vasta diversidade de expressões individuais. Embora tais expressões sejam sempre modos de reproduzir, recombinar ou subverter processos sociais e coletivos, as diversas subjetividades que aí se produzem em grande parte reforçam as vias individuais e individualizantes.
De outro lado, a cultura digital tem atualizado e potencializado uma outra dimensão das subjetividades que se manteve freqüentemente à margem dos tradicionais modelos psíquicos, cognitivos, filosóficos, comunicacionais. Refiro-me à dimensão coletiva, transindividual e processual das subjetividades, expulsa da identificação cartesiana da subjetividade com uma interioridade pensante, do confinamento psicológico da inteligência à mente individual, da suposição de que o processo comunicacional é o resultado de trocas entre um emissor e um receptor constituídos. Inúmeras práticas e experiências nascidas ou renascidas na cultura digital – recombinação, remixagem, software livre, projetos colaborativos e participativos, entre outras – colocam em obra uma subjetividade cuja topologia escapa aos limites da interioridade e do indivíduo para se formar nos “espaços” intersticiais, no entre-dois, ou ainda no entre-muitos que constituem essa rede coletiva de agentes sociotécnicos. Temos visto como o pensamento, a inteligência e o conhecimento encontram na cultura digital vias, expressões, apropriações efetivamente transindividuais, fazendo variar a noção de autoria e explicitando os limites da lógica da propriedade intelectual. As subjetividades comunicantes, por sua vez, cada vez menos cabem na polaridade emissor-receptor, pois não são nem se comportam como termos dados e anteriores à relação que estabelecem entre si, mas são, antes, constituídos por ela.
Essa dimensão coletiva, transindividual e processual das subjetividades engendram um sentido e uma experiência da diversidade que vai além da livre expressão das individualidades diversificadas, para se exercer como dinâmica e processo coletivo de diversificação, diferenciação e transformação das subjetividades. A diversidade aqui é menos um conjunto de subjetividades distintas do que um processo de diversificação das subjetividades, na medida em que estas são chamadas a sair de si mesmas, a se diferenciar e atravessar as fronteiras que tradicionalmente as definiam. Fronteiras da interioridade, da autoria, da propriedade, da individualidade, da identidade são subvertidas para dar lugar a processos coletivos de pensamento, conhecimento, criação, sensibilidade. A livre expressão das subjetividades individuais é certamente uma das condições da cultura e do cultivo da diversidade e ela deve ser potencializada por uma radical ampliação do acesso à cultura digital. Mas além da ampliação do espectro das diversas subjetividades individuais, a cultura digital tem uma singular vocação, rara em muitos outros domínios, para pôr em obra uma experiência e uma prática da diversidade e da subjetividade como processos coletivos de diferenciação. Práticas colaborativas, de compartilhamento e de licenças livres podem ser o esboço do que podemos chamar de uma ética da diversidade que não seja apenas a convivialidade harmônica de entes diversos, mas algo próximo do que Gilbert Simondon, em sua filosofia da técnica e das individuações, pensou como a natureza da ação ética - um poder de amplificação do potencial de transformação coletiva. Um esboço, portanto, de uma individuação coletiva, em que a transformação de si próprio leva a outros um potencial de transformação.

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