22 de mai. de 2007

A linguagem vem do artista

Por Sylvio Rocha


Como a câmera de película, como um pincel, como o violino, o digital é uma ferramenta. Uma ferramenta nova e cheia de possibilidades. O artista escolhe a ferramenta que melhor convier para se expressar. A linguagem não vem da ferramenta, ela vem do artista.
Quando George Eastman lançou a kodak, a primeira câmera fotográfica portátil em 1888, fez todo americano virar um fotógrafo em potencial. “Você aperta o botão e nós fazemos o resto” dizia o slogan. Com isso, levou a fotografia para dentro dos lares e da vida das pessoas. Ele popularizou a fotografia tornando-a acessível. O trabalho laborioso e científico do fazer fotográfico ganhara uma outra dimensão, foi a massificação de uma ferramenta.
As câmeras digitais fotográficas de hoje fazem tudo. Gravam som, imagem, fotografam e até falam. Elas acompanham a vida em toda a sua extensão.
Nas idas ao dentista e até na intimidade com a namorada ela está lá, presente e disparando.
Para os Gregos, a visão era considerada o maior dos sentidos. Hoje em dia, a linguagem visual é muito forte: no mundo de fast food, de altos níveis de poluição e da velocidade exacerbada, seguramente o sentido que mais utilizamos é o da visão, o nosso fraco órgão sensitivo. Vivemos na era da imagem.
Com o digital, o fazer ficou mais fácil e seguramente, com o passar do tempo ficará cada vez mais. A cultura digital aproximou-nos de ferramentas de criação fantásticas, que ampliam nossa capacidade de produção, facilitam o trabalho e possibilitam uma pluralidade de obras.
As câmeras estão aí sendo colocadas à prova para todos que quiserem se aventurar no mundo do vídeo. Existem trabalhos excelentes sendo realizados nesse suporte e festivais que estimulam as criações. A possibilidade de uma pessoa anônima, num quarto pequeno com uma câmera e um computador realizar um filme é incrível. A escrita do áudio-visual será a linguagem das novas gerações.
O mundo do digital acabou com o problema da distribuição e da exibição das artes reprodutíveis. O artista anônimo consegue divulgar seu trabalho pelo mundo; sua obra pode ser visitada, comentada e se ele permitir, até modificada por outras pessoas. O diálogo voltou.
Claro que Eastman não conseguiu fazer com que todos fôssemos transformados em artistas. Todos já passamos tardes chatíssimas na casa de um amigo ou de uma tia, ao lado de um projetor de slides vendo fotos feias e sem interesse algum, de um lugar que seria melhor conhecer pessoalmente do que ver projetado numa parede branca. Devemos essa chatice a ele. Mas seguramente a muitos ele encorajou e estimulou indiretamente. A socialização da ferramenta possibilitou a descoberta de suas capacidades, de seus limites e de seus artistas.
A pluralização das obras é válida, resta-nos saber o quê degustar desse vasto universo digital. Como tudo na vida.

Um comentário:

breu disse...

o digital eh instrumento, muda a percepcao e a cognicao.

houve um evento ( goteiras digitais, com uns gatos pingados) onde simondon foi apontado como um estudioso da sociedade industrial. domage. aos integrados vale a licao: na ha nenhuma revolucao com a apropriacao dos meios de producao, sem que seja alterado o processo de formacao subjetiva, sem se trabalhar a individuacao do objeto tecnico, caminho para uma sensibilidade pos midiatica.

bisous

9s

>SIMONDON, Gilbert
>
>"Du Mode d'existence des objets tecniques", Aubier, 1989.
>
>
>
>
>SEGUNDA PARTE
>O HOMEM E OS OBJETOS TÉCNICOS
>
>
>CAPÍTULO II
>FUNÇÃO REGULADORA DA CULTURA NA RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E O MUNDO DOS OBJETOS
>TÉCNICOS. PROBLEMAS ATUAIS
>
>
>
>I. – As diferentes modalidades da noção de progresso
>
>A atitude dos Enciclopedistas sobre as técnicas pode ser considerada como
>um entusiasmo suscitado pela descoberta da tecnicidade dos elementos. De
>fato, as máquinas não são diretamente consideradas automáticas* pelos
>Enciclopedistas; elas são antes consideradas como um conjunto de
>dispositivos elementares. A atenção dos colaboradores de Diderot se porta
>essencialmente sobre os órgãos das máquinas. O conjunto técnico, no século
>XVIII, está proporcional à dimensão do atelier du bouchonnier e du
>balancier; esse conjunto se raccorde aos elementos técnicos através da
>intermediação do artesão que utiliza e realiza mais através das ferramentas
>ou dês machines outils que pela intermediação dos verdadeiros indivíduos
>técnicos. É por essa razão que a divisão das matérias a estudar se faz por
>rubricas de utilização e não segundo os esquemas das técnicas, quer dizer
>em relação a cada tipo de máquina; o princípio do grupamento e de análise
>dos seres técnicos é a denominação do métier, não da máquina. Ora, des
>métiers muito diferentes podem utilizar ferramentas e instrumentos
>idênticos ou quase idênticos. Esse princípio do grupamento conduz,
>portanto, a uma superfluidez da apresentação das ferramentas e instrumentos
>que, d'une planche a l'autre, podem ser formas muito vizinhas.
>
>Ora, o princípio de grupamento por conjuntos técnicos comportando uma
>pluralidade indefinida de elementos é estreitamente ligado à idéia de
>progresso contínuo tal qual existe nos Enciclopedistas. Tão logo a
>tecnicidade é satisfeita no nível dos elementos que a evolução técnica pode
>s'accomplir segundo uma linha contínua. Há correlação entre um modo de
>existência molecular da tecnicidade e une allure contínuo da evolução dos
>objetos técnicos. Uma engrenagem, um pás de vis eram mais bem talhados no
>século XVIII que no século XVII; da comparação entre os mesmos elementos
>fabricados no século XVII e XVIII surgia a idéia da continuidade do
>progresso como marcha à frente, aquilo que nomeamos concretização dos
>objetos técnicos. Essa evolução do elemento, que s'accompli no interior dos
>conjuntos técnicos já constituídos, não suscita cruzamentos: ela melhora
>sem brutalidade os resultados da fabricação, e autoriza o artesão a
>conservar os métodos habituais, tout em ressentent uma impressão de
>facilitação do trabalho; os gestos habituais, mais bem servidos por
>instrumentos mais precisos, oferecendo melhores resultados. O otimismo do
>século XVIII se dégage em larga medida desse melhoramento elementar e
>contínuo das condições de trabalho técnico. De fato a angústia nasce das
>transformações que carregam com elas une cassure nos ritmos da vida
>cotidiana, tornando inúteis os antigos gestos habituais. Contudo, o
>melhoramento da tecnicidade do outil tem um papel eufórico. Quando o homem
>conservando os frutos de seu aprendizado, troca sua ferramenta antiga por
>uma nova cuja manipulação é a mesma, ele vivea impressão de ter gestos mais
>precisos, mais hábeis, mais rápidos; é o esquema corporal inteiro que faz
>reculer seus limites, se dilata, se libera; a impressão de gaucherie
>diminui: o homem exercitado se sente mais adroit com uma ferramenta melhor;
>ele passa a ter confiança em si mesmo; porque a ferramente prolonga o
>organismo, e é levada pelo gesto.
>
>O século XVIII foi o grande momento de desenvolvimento das ferramentas e
>instrumentos, se entendemos por ferramenta o objeto técnico que permite
>prolongar e armar o corpo para accomplir um gesto, e por instrumento o
>objeto técnico que permite prolongar e adaptar o corpo para obter uma
>melhor percepção; o instrumento é ferramenta de percepção. Alguns objetos
>técnicos são tanto ferramentas como instrumentos, mas podemos denominá-los
>ferramentas ou instrumentos segundo a predominância da função ativa ou da
>função perceptiva: um martelo é uma ferramenta assim como, por parte dos
>receptores da sensibilidade kinestética e da sensibilidade tátil vibratória
>nós pudéssemos perceber finamente o instante onde uma pointe começa a se
>tordre ou fait éclater lê bois e s'enforce trop vite; é preciso que o
>martelo agisse sobre a pointe em l'enfoçant para que, segundo a maneira
>como se efetua essa operação d'enfocement, uma informação definida seja
>reportada aos sentidos daquele que está com o martelo na mão; o martelo é,
>portanto, uma ferramenta posto que é graças a essa função de ferramenta que
>ele pode servir de instrumento; mesmo quando o martelo é utilizado como
>puro instrumento, ele é ainda, previamente, ferramenta: ce maçon reconhece
>a qualidade de uma pedra com seu martelo, mas é preciso que o martelo
>entalhe parcialmente a pedra. Ao contrário, uma luneta ou um microscópio
>são instrumentos, de même qu'um niveau ou um sextant: esses objetos servem
>para recolher uma informação sem accomplir no mundo uma ação prévia. Ora, o
>século XVIII é a época onde tanto as ferramentas como os instrumentos
>receberam uma fabricação mais soignée, colhendo os frutos das descobertas
>da mecânica estática e dinâmica do século XVII, assim como as descobertas
>da ótica geométrica e física. L'indeniable progresso das ciências se
>traduziu em progresso dos elementos técnicos. Esse acerto entre
>investigação científica e as conseqüências técnicas é uma nova razão de
>otimismo que se soma ao conteúdo da noção de progresso, pelo espetáculo que
>essa sinergia e essa fecundidade dos domínios da atividade humana: os
>instrumentos melhorados pelas ciências servem à investigação científica.
>
>Ao contrário, o aspecto da evolução técnica se modifica logo que
>encontramos, no século XIX, o nascimento dos indivíduos técnicos completos.
>Como esses indivíduos substituem somente os animais, a perturbação não é
>uma frustração. A máquina a vapor substitui o cavalo para remoquer os
>vagões; ela aciona a filature: os gestos são modificados em pequena medida,
>mas o homem não é substituído enquanto a máquina tenha apenas uma
>utilização mais ampla dos recursos de energia. Os Enciclopedistas conheciam
>e se magnifiaient com o moinho a vento, que eles representavam dominando la
>campagne de sua alta estrutura muette. Muitos planches, extremamente
>detalhados, são consagrados a moinhos à água aperfeiçoados. A frustração do
>homem começa com a máquina que substitui o homem, através do trabalho de
>tisser automático, com a presses à forger, com o equipamento das novas
>fábricas; são as máquinas que o operário brise dans l'émeute, porque elas
>são rivais, não mais motores, mas porteuses de ferramentas; o progresso do
>século XVIII deixava intacto o indivíduo humano porque o indivíduo humano
>permanecia indivíduo técnico, no meio dessas ferramentas onde ele era
>centro e porteur. Não é essencialmente pela dimensão que a fábrica se
>distingue do atelier do artesão, mas pela mudança da relação entre o objeto
>técnico e o ser humano: a fábrica é um conjunto técnico que comporta as
>máquinas automáticas, cuja atividade é paralela à atividade humana: a
>fábrica utiliza os verdadeiros indivíduos técnicos, enquanto, no atelier, é
>o homem que empresta sua individualidade à l'accomplissement das ações
>técnicas. A partir disso, o aspecto mais positivo, o mais direto, da
>primeira noção de progresso, não é mais éprouvé. O progresso do século
>XVIII é um progresso ressentido pelo indivíduo dans lê force, a rapidez e a
>precisão dos gestos. Aquele do século XIX não pode mais ser éprouvé pelo
>indivíduo, porque ele não é mais centralizado por ele como centro de
>comando e de percepção, numa ação adaptada. O indivíduo se torna apenas o
>espectador dos resultados do funcionamento das máquinas, ou o responsável
>pela organização dos conjuntos técnicos mettand em oeuvre as máquinas. E
>por isso que a noção de progresso se dédouble, se torna angustiante e
>agressiva, e ambivalente; o progresso está distante do homem e não tem mais
>sentido para o homem individual, porque as condições de percepção intuitiva
>do progresso pelo homem não existem mais; esse julgamento implícito, muito
>próximo das impressões kinestésicas e dessa facilitação do dinamismo
>corporal, que servia de base para a noção de progresso no século XVIII,
>desaparece, salvo pelos domínios das atividades onde o progresso das
>ciências e das técnicas leva, como no século XVIII, uma extensão e uma
>facilitação das condições individuais de ação e de observação (medicina,
>cirurgia).
>
>O progresso é então pensado de maneira cósmica, no nível dos resultados do
>conjunto. Ele é pensado abstratamente, intelectualmente, de maneira
>doutrinal. Não são mais os artesãos, mas os matemáticos que pensam o
>progresso, concebido como uma tomada de posse sobre a natureza pelo homem.
>A idéia de progresso, pensado e desejado, se substitui à impressão do
>progresso como éprouvé. O homem que pensa o progresso não é o mesmo que
>aquele que trabalha salvo casos raros, como aquele dos impressores e
>litografistas, que permaneceram em larga medida artesões. Mesmo nesses
>casos, o advento da máquina, para aqueles que pensam profundamente sua
>natureza, se traduz em uma aspiração à transformação das estruturas
>sociais. Poderíamos dizer que o trabalho e a tecnicidade ligados no século
>XVIII eram prova do progresso elementar. Ao contrário, o século XIX leva à
>disjunção das condições d'intellection do progresso e de l'épreuve dos
>ritmos internos de trabalho dus a esse mesmo progresso. Não é como
>trabalhador que o homem do século XIX épreuve o progresso: é como
>engenheiro ou como usuário. O engenheiro, engenieer, o homem da máquina se
>torna de fato o organizador do conjunto compreendendo os trabalhadores e as
>máquinas. O progresso é saisie como um movimento sensível por seus
>resultados, e não nele mesmo no conjunto das operações que o constituem,
>nos elementos que o realizam, e válido pour une foule, coextensivo à
>humanidade.
>
>Os poetas do fim da primeira metade do século XIX ressentiram o progresso
>como marcha geral da humanidade, com sua carga de risco e de angústia. Há
>nesse progresso algo de uma imensa aventura coletiva, de uma viagem também
>e mesmo de uma migração para outro mundo. Esse progresso tem algo de
>triunfante e de crepuscular. Talvez seja a palavra que Vigny, em La Maison
>au Berger, vê escrita au dessus das cidades. Esse sentimento de
>ambivalência em torno da máquina se encontra na evocação da locomotiva e
>naquela da bússola, a primeira em La Maison au Berger, a segunda em La
>Bouteille à la Mer. Esse último poema mostra como Vigny ressentiu o
>caráter transitório (e talvez transitório porque contraditório) do
>progresso do século XIX. Essa idéia de progresso, inachevée, incompleta,
>contém uma mensagem para posteridade; ela não pode se achever nela mesma. É
>um dos aspectos dos Destinées ao aceitar viver esse momento da evolução
>técnica. Vigny o tornou justo e significativo compreendendo que ele não
>podia se satisfazer de si mesmo, se fechar em si mesmo.
>
>Um terceiro aspecto da noção de progresso técnico aparece com o
>retentissement da autoregulação interna dos indivíduos técnicos sobre os
>conjuntos técnicos, e, através desses últimos, sobre a humanidade. A
>segunda etapa, aquela que correspondia da nova vague técnica ao nível dos
>indivíduos, se à l'egard da máquina, e pela produção da alienação. Essa
>alienação saisie pelo marxismo como tendo sua fonte na relação do
>trabalhador com os meio de produção, não provém somente, em nosso ponto de
>vista, de uma relação de propriedade ou de não propriedade entre
>trabalhador e os instrumentos de trabalho.
>
>Sobre essa relação jurídica e econômica de propriedade existe uma relação
>ainda mais profunda e mais essencial, aquela da continuidade entre
>indivíduo humano e indivíduo técnico, ou de descontinuidade entre esses
>dois seres. A alienação não aparece somente porque o indivíduo que trabalha
>não é mais, no século XIX, proprietário dos seus meios de produção enquanto
>no século XVIII o artesão era proprietário dos seus instrumentos de
>produção e de suas ferramentas. A alienação aparece no momento onde o
>trabalhador não é mais proprietário de seus meios de produção, mas ela não
>aparece somente por causa dessa ruptura na ligação de propriedade. Ela
>aparece também fora de toda relação coletiva com os meios de produção, no
>nível propriamente individual, fisiológico e psicológico. A alienação do
>homem em relação à máquina não se dá somente no sentido econôminco-social;
>ela tem também um sentido psico-fisiológico; a máquina não prolonga mais o
>esquema corporal, nem para os operários, nem para aqueles que possuem as
>máquinas. Os banqueiros, cujo papel social foi exaltado pelos matemáticos
>como os Saint-Simonistas e Auguste Comte são tão alienados em relação à
>máquina quanto os membros do novo proletariado. Queremos dizer com isso que
>não há porque supor uma dialética du maître e do escravo para dar conta de
>uma alienação nas classes possuidoras. A relação de propriedade em relação
>à máquina comporta tanta alienação quanto na relação de não propriedade,
>quando esta corresponde a um estado social muito diferente. De uma parte a
>outra da máquina, au dessus au dessus, o homem dos elementos que é o
>operário e o homem dos conjuntos que é o patrão industrial falta a
>verdadeira relação do objeto técnico individualizado sob a forma de
>máquina. Capital e trabalho são dois modos de ser também incompletos tanto
>um como outro em relação ao objeto técnico e a tecnicidade contida na
>organização industrial. Sua aparente simetria não significa absolutamente
>que a reunião do capital e do trabalho reduz a alienação. A alienação do
>capital não é alienação em relação ao trabalho, em relação ao contato com o
>mundo (como na dialética entre senhor e escravo), mas em relação ao objeto
>técnico. Vale o mesmo para o trabalho; o que falta no trabalho não é o que
>o capital possui, e o que falta no capital não é o que o trabalho possui. O
>trabalho possui a inteligência dos elementos, o capital possui a
>inteligência dos conjuntos; mas não é reunindo a inteligência dos elementos
>e a inteligência dos conjuntos que podemos fazer a inteligência do ser
>intermediário e não misto que é o indivíduo técnico. Elemento, indivíduo e
>conjunto se seguem sobre uma linha temporal; o homem do elemento está
>atrasado em relação ao indivíduo; mas o homem dos conjuntos que não
>compreendeu que o indivíduo não está na frente em relação ao indivíduo; ele
>tenta encerrar o indivíduo técnico presente em uma estrutura de conjunto
>advinda do passado. Trabalho e capital estão atrasados em relação ao
>indivíduo técnico depositário da tecnicidade. O indivíduo técnico não é o
>mesmo que o trabalho que o aciona e o capital que o enquadra.
>
>O diálogo do capital e do trabalho é falso porque ele está no passado. A
>coletivização dos meios de produção não pode operar em uma redução da
>alienação por si só; ela não pode operá-la senão for a condição prévia da
>aquisição pelo indivíduo humano de inteligência do objeto técnico
>individualizado. Essa relação entre o indivíduo humano e o indivíduo
>técnico é a mais delicada a formar. Ela supõe uma cultura técnica, que
>introduz a capacidade de diferentes atitudes daquelas do trabalho e da ação
>(o trabalho corresponde à inteligência dos elementos e a ação à
>inteligência dos conjuntos). Trabalho e ação têm em comum a predominância
>da finalidade sobre a causalidade; nos dois casos, o esforço é orientado
>para obter um certo resultado; o emprego dos meios está em uma situação de
>minoritária em relação ao resultado: o esquema de ação conta menos que o
>resultado a obter. No indivíduo técnico, ao contrário, esse desequilíbrio
>entre causalidade e finalidade desaparece; a máquina é feita exteriormente
>para obter um certo resultado; mas, quanto mais o objeto se individualiza,
>mais essa finalidade externa se apaga em proveito da coerência interna de
>funcionamento; o funcionamento é finalizado em relação a ele mesmo antes de
>ser em relação ao mundo exterior. Tal é o automatismo da máquina, e tal é
>sua autoregulação: há, no nível das regulações, funcionamento, e não
>unicamente causalidade ou finalidade; em um funcionamento auto-regulado,
>toda causalidade tem um sentido de finalidade, e toda finalidade um sentido
>de causalidade.