18 de mai. de 2007

Open business

Por Oona Castro

A cultura digital transformou radicalmente o mundo dos negócios: não se trata apenas de ter levado ao plano virtual as relações de troca ou contratos antes estabelecidos. As mudanças recentes não só conferiram novo ritmo e características a transações e negociações, como também têm possibilitado a reinvenção da maneira de fazer business, de criar, de produzir, de distribuir etc.
Se vinte anos atrás era inconcebível uma pessoa, de sua própria casa, escrever de uma vez só para milhares de leitores, isso hoje é absolutamente comum e recorrente.
As novas tecnologias de informação e comunicação abriram caminhos para mudanças nas diversas fases de produção e de acesso a cultura e informação.
Por exemplo: na área da música, o acesso às novas tecnologias tem permitido a gravação seus CDs em estúdios caseiros ou de pequeno porte, a distribuição (gratuita ou comercial) de obras pela internet, a remixagem e outras formas de colaboração; e o amplo acesso às obras, sem limitação especial ou temporal.
Na cultura, no jornalismo, no ramo do conhecimento científico, entre outros, uma das principais transformações que acompanham o desenvolvimento da cultura digital é a questão da propriedade intelectual. Hoje, é possível ter acesso às obras a qualquer distância. O custo da cópia não é mais uma questão chave. Ele é zero. Se uma reportagem, uma música, um filme ou uma pesquisa está disponível na internet, qualquer um com acesso à conexão e computador pode ter acesso ao que foi produzido. O custo de armazenamento é quase zero. E o da distribuição, nenhum. Isso cria um problema: se é possível ter acesso às obras sem pagar, como remunerar os autores, músicos, cineastas ou cientistas? E qual é o incentivo que essas pessoas terão para continuar criando?
Bom, em primeiro lugar, o que vemos é que o estímulo para a criação não é exclusivamente pecuniário. Há muita gente que cria sem intenção de lucro – ou, pelo menos, não tem, na rentabilidade, a sua principal meta. Mas partamos do princípio que todo inventor, criador etc, quer poder viver daquilo que gosta de fazer, ou faz, simplesmente.
Além dos casos em que a criação é remunerada durante o processo, seja por concursos, editais, financiamentos os mais diversos, há muitos novos modelos sendo criados, cuja sustentação está justamente na liberação de conteúdo.
Na periferia de Belém do Pará, a cena do tecnobrega mostra como a livre circulação das obras favorece os profissionais da música. A pesquisa sobre Open Business Models mostra que 88% dos músicos do tecnobrega nunca tiveram contratos com gravadoras. E 59% acham positiva a venda de cds por vendedores de ruas, pois com isso conseguem divulgar suas músicas – fazendo crescer o seu público, o número de convites para shows, o prestígio etc. Essa venda de cds não exclui a remuneração advinda das cópias prensadas pelas bandas. Em média, as bandas vendem 77 cds por show, com material gráfico e promocional – o que não existe nas unidades vendidas pelo camelôs. O preço médio é de R$ 7,50. O faturamento das bandas com a venda de Cds de tecnobrega na periferia de Belém é de aproximadamente R$ 1.045.000 mensais.
Enquanto isso, boa parte da indústria tradicional reduz o catálogo de artistas e o lançamento de cds, continua investindo muito em marketing junto às rádios, defende o combate à pirataria e tenta sobreviver com modelos que não fazem mais sentido na cultura digital.
É necessário olhar para as inovações que estão acontecendo nas ruas, especialmente nas periferias globais, onde muitas vezes a tecnologia chegou antes da aplicação dos modelos antigos. Muitos artistas de hoje não são apenas gênios da criação. São sujeitos que compreendem os processos e as dinâmicas de criação, produção, distribuição e gestão de seu trabalho. Há diversos exemplos pelo país afora. O Espaço Cubo (http://www.espacocubo.blogger.com.br/), do Mato Grosso, é um coletivo de criação e gestão cultural – em que cada artista contribui com a parte do processo que mais lhe é familiar.
No lugar da indústria cultural característica dos anos 80 e 90 está surgindo uma "indústria criativa", que inova não apenas a linguagem, a maneira de colaborar, interagir, inventar, mas também os modelos de negócios.
O conhecimento e as manifestações simbólicas e culturais são bens intangíveis. Se fulano transfere a beltrano uma idéia, uma obra artística, literária ou outros bens intangíveis, fulano não fica sem o conteúdo transferido. As obras em formato digital, portanto, não sofrem escassez. Mais do que isso, na cultura digital, a geração, ainda que artificial, de escassez não necessariamente confere mais valor à obra. Muitas vezes o que ocorre é o contrário. A liberação de conteúdo na internet contribui para a disseminação das obras, o reconhecimento do autor, músico, artista, intelectual. Presas, muitas obras caem no desconhecimento do público. Qual é o sentido de produzir conhecimento, obras artísticas e expressar idéias para que não sejam conhecidas?
No livro Cauda Longa, o autor Chris Anderson mostra que, na cultura digital, em que armazenamento e estoque têm custo quase nulo, há espaço para uma diversidade muito maior de artistas. Isso porque há uma infinidade de músicos (para usar o exemplo do livro) que podem atingir mercados de nicho, mas que, somados, geram vendas significativas. Portanto, não faz mais sentido, num mundo em que as vendas online são um caminho real e concreto, trabalhar apenas com a venda de obras de artistas muito famosos, que vendem em grande quantidade. Isso permite desconcentração do mercado e o aumento da diversidade cultural.
Neste mercado, há espaço para mais criação, produção, comercialização, gostos, predileções, acesso a diferentes culturas, informações e conhecimento. Se tudo o que somos e criamos foi e é possível porque tivemos acesso ao que antes foi produzido, por que fechar agora, quando temos a possibilidade de compartilhar, colaborar, participar e criar mais?

Um comentário:

Fórum da Música PE disse...

Olá Oona, parabéns pelo texto,mas acho que esse debate precisa ter mais autores e compositores expressando suas opiniões.Senão corre-se o risco de estarmos tratando-os como "ratinhos de laboratório".
Outra coisa, o tecno brega faz sucesso por vários motivos, um deles é a questão do modelo de negócio,que ao meu ver é predatório,( jabá,sonegação fiscal,etc.) mas a questão estética também é muito determinante.