12 de mai. de 2007

Autoria, © e impulso criativo

Por Felipe Fonseca
Um ambiente aberto de troca de conhecimento, mesmo com a ênfase no questionamento do papel tradicional do autor, não necessariamente é a ausência de autores. Os conceitos de flexibilização do direito autoral propõem que todos podem ser autores, questionando aquele mito renascentista do autor iluminado que conversa com a musa, tem o sopro divino ou um pacto com o diabo. Tratando a criação como acessível a todas as pessoas, na verdade o que a gente propõe é a universalização do direito e da consciência da possibilidade de criação. Não queremos acabar com os autores. Queremos que as pessoas percam o medo de criar. Queremos que as pessoas se apropriem do conhecimento e da cultura como o que são: construções coletivas, dinamizadores de relacionamentos entre pessoas, criadores de identidade, motores da inovação. Se para mostrar isso precisamos em determinado momento de uma idéia sem autor ou de uma idéia com milhões de autores ou de uma idéia com um autor que não existe (quem escreveu a Ilíada mesmo? e a Bíblia?), que seja. O que não podemos é dar mais atenção à legislação ou ao mercado do que ao impulso criativo.

4 comentários:

Orlando Lopes disse...

FF,

Algumas pontuações:

1. Me parece que acontecem alguns "equívocos semânticos" (ninguém manda ficar lendo Wittgenstein...) quando empregamos a idéia de "autor". A questão me parece importante porque é com base na definição que damos ao termo que se esconde sua abrangência jurídica e seu potencial alcance criativo. Não vou invocar autores aqui, 'causo de que não tamos num debate acadêmico (e acadêmico não é, decididamente, a mesma coisa que conceitual), mas as refrações da noção de autor não referem apenas a definição "jurídica", nem à experiência de individuação enunciativa; em cada ponto da História (do Ocidente). Tanto a Idade Média quanto os classicismos (excetuando-se, exatamente, o Renascimento/Humanismo) tratam a figura do "auctor" num regime jurídico e numa "divisão do trabalho" da produção enunciativa na qual nem se podia conceber algo como a "autoralidade moderna".

2. Partindo daí, talvez seja bom ser prudente com a idéia de buscar um ideal de produção em que "todos" possam "conversar com a Musa". Até porque, a Musa não mora na Casa da Mãe Joana (ou mora?) :-) Uma coisa é democratizar a escrita (ou a produção de informação), outra é instrumentalizá-la a ponto de apagar sua carga (e sua potência) simbólica e existencial. O seu argumento, se o entendi bem, nos leva a que todos podem, nos novos e possíveis regimes de direito autoral, tornar-se "autores-enunciadores". A possibilidade de que tais autores venham a transformar essa instrumentalidade (saber/poder exprimir-se) não é ainda a possibilidade de que eles possam ter uma experiência mais "profunda" (estetizante?), que talvez só a Musa possa, enfim, dar :-).

3. Assim, tratar "a criação como acessível a todas as pessoas" envolve uma curiosa armadilha: não há como não dessacralizar a atividade criativa, se quisermos popularizá-la e democratizá-la; mas haverá como "reauratizá-la", para que as pessoas possam sentir de fato as suas intensidades e afetações?

Enfim, você conclui: "O que não podemos é dar mais atenção à legislação ou ao mercado do que ao impulso criativo". Concordo, e acrescento: o que não podemos é permitir uma legislação e um mercado que se alienem da relação com o impulso criativo. Não existe produção, e mercado, e riqueza, que não sejam, eles memos, constituídos por impulsos criativos. Esse é o pharmakon do capital, seu calcanhar aquilino :-)

Hasta,

Orlando

felipefonseca disse...

Grande Orlando

Devo sempre pedir desculpas por eventuais equívocos... eu certamente li bem menos do que deveria, e algumas afirmações acabam saindo sem a base necessária. Mas deixa contextualizar... escrevi o textinho em resposta a um questionamento sobre a relação entre metareciclagem e cultura digital, e se a metareciclagem "mata a propriedade de idéias e autoria". Daí toda a onda de tentar relativizar um pouco o papel do autor e a mística que se forma em torno dele. Mesmo que eu concorde contigo que depois da desconstrução também é necessário ir adiante e aquelas pessoas com potencial chegarem a se lambuzar de experiência estética. Dessacralizar e ressacralizar? Quebrar as muletas para poder brincar como crianças?
Criar outra legislação e outro mercado é cansativo, dá preguiça. Mas talvez a gente já esteja fazendo isso, não?

Orlando Lopes disse...

FF,

1. A intenção não é ficar pegando o equívoco pelo equívoco, mas entender as aberturas que ele permite.

2. Entendi a intencionalidade do teu post (talvez fosse útil um "prefácio"...), o contexto MRec. O que me incomoda é a coisa de partir sempre de um presente, de uma percepção do presente que não tem essa consistência toda que se pretende lhe atribuir. As formas do passado estão presentes (sobretudo na linguagem), as formas do futuro também (sobretudo no imaginário). O discurso da MRec consegue incorporá-los?

3. Não pensou mais o "ou" (a não ser quando sou forçado): por isso, acho que sim: "dessacralizar E ressacralizar".

4. Sólon criou outra legislação pros atenienses. Ao que parece foi, senão divertido, empolgante. Como os gregos helênicos, eu também sou chegado numa (boa) briga :-). Quanto ao que não se puder mudar (nem tudo poderemos), precisamos aprender a conviver com. Esse é um dos pulos do gato...

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny